Amanhã vou fazer minha primeira viagem, e será de barco. Em grande estilo, vou singrar os mares de banham meu país. Conhecerei novas terras, e desbravarei o infinito, indo a onde nunca havia antes ido. Muito parecido com aqueles galãs da TV.
Domingo é normalmente um ótimo dia para mim, uma vez que trabalhando de segunda a sábado, o domingo é o meu dia de lazer.
Meu trabalho é muito importante para o Rio de Janeiro. Sou autônomo. Faço segurança privada para um estacionamento de um grande centro comercial do Rio. Sem meu trabalho, aquele estacionamento seria um caos. Chamam o shopping em que trabalho de Camelódromo da Uruguaiana, mas o nome correto é Mercado Popular do Centro. Ele reúne uma infinidade de pequenas lojas, de novos-ricos do grande Rio. Algumas lojas possuem tamanho duplo, e até triplo. Pertencem aos empresários mais bem-sucedidos.
O meu trabalho requer presença constante, uma vez que a concorrência é predatória. Cuido de quatro vagas, na rua Buenos Aires. É um emprego muito importante. Vários motoristas, clientes em potencial, me chamam de flanelinha, acho que é uma forma carinhosa de valorizarem o meu serviço. Eu busco oferecer um diferencial no que faço. Além de ajudar a estacionar, tomo conta dos carrões dos clientes e passo minha flanelinha nos vidros destes caros. Uso a mesma flanelinha desde que comecei ali, a mais de três anos. Visando qualidade, lavo-a uma vez por ano. Os motoristas, tentando reduzir o meu esforço de trabalho falam logo para eu não passar a flanelinha no carro deles. - Basta tomar conta do carro, eles ordenam. Mas eu faço questão de passar, se não como ficará a minha imagem de bom serviço.
Porem isto não interessa agora. O importante é que amanhã vou viajar de barco. O Bidu, o meu amigo mais rico, afinal ele cuida de sete vagas, me explicou tudo sobre a viagem. Será inesquecível.
É domingo. Acabo de acordar. O Bidu deu a dica de acordar cedinho, visando aproveitar bem o dia nesta viagem. Então foi o que fiz. São onze horas e dez minutos, e já estou me levantando. Espero realmente que venha a valer a pena este esforço para acordar tão cedo hoje. O café, já deixei pronto desde ontem à tarde. Está um pouco frio, mas acaba sendo mais fácil para bebê-lo.
Me visto. Estou muito contente.
Na sua recomendação, o Bidu me mandou pegar um ônibus para a Praça XV. Foi o que tentei fazer. Como não tinha um ônibus direto, peguei dois. Raiz da Serra – Madureira, e depois um Madureira – Castelo. Ao chegar ao castelo fui a pé até a Praça XV. Orgulhoso de mim, me dirigi ao posto de venda de bilhetes. Mostrei a identidade. O atendente foi logo falando que não necessitava da identidade.
Pensei: Caramba a alfândega daqui é bem moderna. Eles devem ter algum serviço de identificação de rostos. Estava tranquilo. Tinha feito a barba. Meu rosto estava assim, disponível para a tal pesquisa de identificação eletrônica.
Solicito um bilhete direto: É a minha primeira viagem de barco, e não quero ficar parando pelos outros estados. O atendente sorri, e responde, hoje só temos bilhetes diretos. Deve ser porque hoje é domingo, pensei eu.
Fiz, também, questão de avisar que estava sem bagagem.
Pago o bilhete e pergunto: Quando é o embarque?
Tentando impressionar, pergunto também: Para que portão devo me dirigir, visando fazer o check-in? Este é um termo que não tinha a certeza de que se ajustava corretamente, mas achei-o bonito, quando o ouvi em um jornal da TV que comentava que um dos principais problemas de uma viagem aérea, era o tal do check-in, que ainda era muito demorado. Mesmo que não se ajustasse bem a viagens de barco, ele saberia o sentido que eu estava passando, e pensaria que eu sou muito viajado de avião.
O atendente ficou espantado com o meu brilhante questionamento, e com a minha irretocável pronúncia estrangeira, e foi logo falando, entre um riso e outro: É só se dirigir aquelas roletas, a sua direita.
Isso é que foi um check-in rápido, nada a ver com aquele das viagens de avião que o noticiário tinha comentado. Num piscar de olhos, estava dentro do salão de embarque.